SOMOS SUPERFICIAIS – RASOS POR DEMAIS…

Por: Fernanda Mendes

Este é um artigo que caso você não consiga lê-lo até o fim, só comprovará o que retrato nele.

Eu cresci ouvindo que brasileiro não gosta de ler. E que os europeus, já adoram. E provavelmente você também já ouviu muito isso… OK. Isso ficou muito mais evidente para mim quando estive na Europa. E me permite relatar duas ocasiões em que percebi a diferença gritante na cultura deles para a nossa.

Os franceses organizaram um jantar para ser um momento de interação cultural entre os brasileiros que ali estavam, (o que eles chamam de Moment Convivival, Repas Fraternel ou apenas Soirée). Em um determinado momento, percebi que um casal francês começou procurar pelo filho do meio (que na época deveria ter uns 11 anos, por aí), até que perguntei para uma amiga que falava bem o francês, se eles acharam o menino, ela me respondeu que sim, que ele estava em outra sala. Eu fiquei curiosa pra saber o que o bendito estava fazendo, e resolvi ir verificar rs. Para minha grande surpresa, o vi sentadinho com um “cepo” de livro em mãos, e muito imerso naquela leitura que lhe parecia interessantíssima. Eu, mais do que depressa voltei para a minha amiga e lhe disse que o menino não era normal rs, ela soltou uma gargalhada e me explicou que para eles isso é cultural. Que eles gostam de ler mesmo. E que no caso do menino, que a mãe disse que o hábito dele é de sempre após o jantar ler um pouco.

Confesso, que aquilo me impressionou bastante…

Ok, outro fato foi quando fomos à praia. Era um domingo, estávamos em uma cidade chamada Toulon, sul da França, e andando pela orla daquela praia, de cada 10 pessoas (entre jovens, adultos e idosos), 6 estavam lendo algo. Ou um livro, uma revista ou um jornal. É claro que pensei: “Que coisa estranha”. E minha amiga Anne Morais estava comigo e não me deixa mentir.

Onde eu quero chegar com isso?

Mergulhar na cultura do europeu pelo tempo que estive lá, me fez pensar muito, minha visão de mundo mudou. E mais, me fez querer mudar alguns hábitos também. Não quero ser igual ao europeu, impossível. Porém, percebi que nós brasileiros temos muito que ensinar ao europeu, e eles tem muito a nos ensinar também. E voltei de lá na posição de uma aluna, disposta a pegar para mim bons hábitos que eles têm e que eu não possuía. Entre eles, o gosto pela leitura.

Quantos livros você leu no ano passado?

Se você é como a maioria da população brasileira, deve ter respondido “nenhum”. Uma pesquisa divulgada em 2015 pela Federação do Comércio (Fecomércio) do Rio de Janeiro mostrou que 70% dos brasileiros não leram um livro sequer em 2014.

Mas por que o brasileiro lê tão pouco?

São vários os fatores. Entre eles, o pouco investimento que é feito em estudo, pela falta de vontade política, pelo processo de alfabetização tardio e pela própria cultura do povo brasileiro, mais oral do que textual. Nós ignoramos a alfabetização por boa parte da nossa história. Ou seja, saímos atrasados em relação a outros países. E no Brasil existe a cultura da oralidade muito mais forte do que a cultura letrada, como há na Europa. No continente europeu, o livro sempre desempenhou um papel importante, inclusive religioso. Aqui, não.

E apesar de sermos colonizados pelos os europeus, os portugueses trouxeram um padrão de educação europeu, o que não quer dizer que as populações que por aqui viviam já não possuíssem características próprias para o ensino. A educação que se praticava entre as populações indígenas não tinha as marcas repressivas do modelo educacional europeu. O Brasil iniciou tardiamente o seu processo de escolarização, e isso se deu no início dos anos 1930, início da Era Vargas. Logo após, o país entra na era do audiovisual, com TV e cinema. Ou seja, o país pula do analfabetismo direto para o audiovisual, e não consegue formar uma cultura de leitura.

Agora, a educação no Brasil é um problema que não se restringe à literatura. As consequências de ter uma população que não lê é que o Brasil apresenta muita dificuldade de discutir questões um pouco mais complexas. Todos os especialistas lembram, sem exceção, que o processo de leitura – de literatura, principalmente – estimula habilidades cognitivas. Sem elas, é difícil praticar ações como se colocar no lugar do outro, pensar em soluções criativas para problemas do dia a dia, ir a fundo em debates éticos, apresentar como argumento fatos de outras épocas e lugares. Em resumo, ao não ler, o Brasil se torna um país raso. Sim somos um povo sem profundidade.

A leitura envolve fantasia e imaginação, elementos formadores importantes, que ajudam a entender o mundo ao nosso redor e a nós mesmos. Li a opinião de um professor a respeito, Sergius Gonzaga – o professor chega a comparar o Brasil com países vizinhos, como Uruguai e Argentina. Por serem países que leem muito mais do que nós, eles têm, segundo o professor, “muito mais informações sobre o mundo”. “Não estou falando de ficar sonhando acordado ou compor músicas, mas da capacidade imaginativa que serve para a ciência, para toda a atividade humana, no fim das contas. Eu trabalhei na prefeitura e notei que há muita gente sem iniciativa. E não é preguiça, mas uma incapacidade de tomar decisões ousadas, de pensar criativamente, de imaginar algo diferente no dia a dia.”
E outro professou levou essa discussão para a rotina do Brasil, de intolerância e dificuldade de superar questões básicas. Segundo ele, o brasileiro tem dificuldade de aceitar outros pontos de vista, muito por culpa dessa falta de leitura: “Colocar-se no lugar de outra pessoa é um ato de imaginação, adotar outros pontos de vista exige desprendimento intelectual. O texto escrito é um suporte para o desenvolvimento do raciocínio complexo, e não é à toa que a filosofia se assentou quando foi escrita”.

E para isso tudo ficar mais próximo de nós, observe quando nos envolvemos em determinados assuntos, seja geopolítica, religião, cultura, economia… não conseguimos ir muito longe, somos bem superficiais. Gostamos de ler coisas rápidas, textos curtos e prontos. E o pior, nos tornando incapazes de pensar com mais profundidade, e de escrevermos o que pensamos. Por isso mesmo a taxa de analfabetos funcionais (ler e não entender o que leu) no Brasil é muito alta, 17,6% em 2014, segundo o IBGE. E, por isso também, o número de brasileiros que zeram suas notas na redação do Enem é drástico.

Há pouco tempo recebi um feedback de uma leitora que me acompanha no blog. Ela me disse que gosta muito de ler os artigos que escrevo, porém, me sugeriu escrever textos menores, pois ela nunca conseguia ler até o final. Quando vi o artigo especificamente que escrevi, que gerou este feedback dela, vi que o artigo tinha 483 palavras – ou seja, menos de uma folha A4. E detalhe, ela me disse que gosta muito ler. Eu sinceramente fiquei com uma pulga “atrás da orelha”, rs. Pareceu contraditório. Mas não, somos rasos e gostamos de sermos assim… Rasos.

Por fim, a única maneira de encerrar este artigo, portanto, é agradecer a você, caso tenha chegado até o final. Infelizmente, você ainda é minoria.

Parabéns!!!

One Comment

  1. Joana Dark Aparecida Borba-Reply
    6 de dezembro de 2016 at 18:57

    Gostei! Compartilho de sua opinião e até acrescentaria o quanto somos artificiais. Temos dificuldades em compreensão e interpretação. E isso se deve aos maus hábitos de formação estudantil (séries iniciais). A maioria dos leitores tem preguiça não só de ler, mas também de pensar no que leu, sendo que esse é sem dúvida o caminho para a interpretação. Os estudantes na maior parte do tempo tem medo e desinteresse em questionar os temas. Ler é o remédio!

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